Orçamento Criança: é preciso garantir

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Segundo a Constituição Federal de 1988, a gestão pública deve considerar como absoluta prioridade a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes. O artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura que essa priorização compreende, dentre outras questões, a preferência na formulação e na execução das políticas públicas e destinação privilegiada de recursos para proteção à infância e juventude.

Porém, mesmo após 27 anos do ECA, ainda persiste no Brasil a cultura da não priorização de políticas que efetivem os direitos de crianças e adolescentes. O que se vê, de modo geral, é a falta de investimentos orçamentários suficientes para este público e o gradual enfraquecimento de políticas públicas.

O orçamento do município de Fortaleza não se diferencia da realidade nacional. A análise do orçamento da capital cearense realizada pelo Fórum DCA constatou que de 2016 para 2017 houve redução da previsão de recurso na ordem de R$ 25.482.018,00 no Orçamento Criança e Adolescente (OCA), e que em 2016, foi efetivamente investido apenas 45,46% do orçamento previsto.

As consequências desses cortes é a inserção de crianças e adolescentes cada vez mais cedo em um contexto de risco social através da desresponsibilização do Estado, tornando-os vulneráveis às violências e ao contexto de conflito com a lei.

Em pesquisa realizada em 2016 pelo Comitê de Prevenção ao Homicídio na Adolescência, da Assembleia Legislativa, que analisou a trajetória de vida de adolescentes assassinados em Fortaleza, constatou-se que das 292 vítimas de homicídio, só 2% teve acesso ao mercado de trabalho formal ou oportunidade de profissionalização, quase um terço eram moradores de 52 comunidades que apresentam infraestrutura e serviços precários e 46% dos mortos cumpriram medidas socioeducativas, evidenciando que o Sistema Socioeducativo como tem sido executado não tem alcançado o objetivo de responsabilização e proteção.

Para mudar isso, foi proposto o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo em Meio Aberto de Fortaleza, por gestores de diversas secretarias municipais e sociedade civil, incluindo o Instituto Terre des hommes Brasil. Abarcando as áreas de saúde, educação, assistência social e lazer, o Plano prevê ações que resultem na inserção social de crianças e adolescentes que, entre outras garantias, gera uma cidade mais segura, demanda tão alardeada pela população fortalezense.

Para a concretude dessas metas, é preciso não só a ampliação orçamentária, mas a garantia de sua integral execução. Sem isso, as políticas públicas permanecerão precárias e a infância e a adolescência desrespeitadas.

Carolina RochaAdvogada
Renam MagalhãesEstagiário de Ciências Contábeis

Proteção Integral de Crianças e Adolescentes no marco do Estatuto da Criança e do Adolescente

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No dia 13 de julho comemora-se o aniversário de 27 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, lei federal 8.069/90, que positivou direitos fundamentais deste público, entre os quais, a dignidade, respeito, educação, saúde, moradia, convivência familiar e comunitária.  Seguindo parâmetros internacionais da Convenção Internacional dos Direitos Humanos, bem como a Carta da ONU e OEA, esta lei federal versa sobre a promoção e defesa de direitos infantojuvenis.

A Constituição de 1988 trouxe em seu artigo 227 , o importância que este público deve receber na agenda política cotidiana de nosso país. Juntamente com os demais marcos normativos como a Lei da Primeira Infância, além de planos, projetos, o ECA deve nortear a atuação de políticas nas 3 esferas do Poder, em todos os níveis.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Artigo 227
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Ocorre que o sistema político e econômico vigente tem fragilizado políticas públicas preventivas, especialmente, no campo da educação, esporte, cultura e assistência social que atendam as infâncias e adolescências mais vulneráveis no Brasil e especialmente no Ceará. Os dados revelam que o Ceará é o terceiro estado do Nordeste com mais crianças e adolescentes, de 0 a 14 anos, vivendo em situação de pobreza, totalizando 1.198.254 pessoas (Cenário da Infância e da Adolescência no Brasil, 2017). O Ceará tem 118.485 crianças e adolescentes entre 4 a 17 anos fora da escola, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015. A realidade do ensino de artes e educação física ainda é muito aquém do ideal.

Segundo o Disque 100 (Disque Direitos Humanos), em 2016, foram recebidas 76 mil denúncias reportando situações de negligência, violência psicológica, física e sexual no Brasil, sendo 5.113 mil casos somente no Ceará. Para transformar esta realidade, faz-se fundamental uma atuação integrada dos órgãos públicos e privados, como Conselhos Tutelares, Conselhos de Direitos, Ministério Público, Defensoria Pública, delegacias, organizações sociais, operadores do Direito entre outros.

Os profissionais do Direito deveriam aprofundar-se na matéria dos Direitos de Crianças e Adolescentes, de forma a qualificar nossa atuação diante de situações como violência sexual, trabalho infantil, alienação parental, maus-tratos, assédio moral e violação de direitos nos meios de comunicação, por exemplo. Em junho último, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) coorganizou juntamente com outras seccionais a realização do I Congresso Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente das Seccionais da OAB, promovendo formação, troca de experiências e apresentação de artigos relacionados aos temas, de forma a qualificar o trabalho nesta seara. Na ocasião, foi apresentada também a Campanha contra a Publicidade Infantil, como uma iniciativa da classe.

Como nos lembra a música cantada na Conferência Nacional dos Direitos de Crianças e Adolescentes em 2012, “se o mundo é bom para as crianças, o mundo é bom para todo mundo”. Façamos todos e todas o melhor que podermos.

Isabel Sousa
Advogada, integrante do Núcleo de Estudos Aplicados Direitos, Infância e Justiça (NudiJus) da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do Fórum de Entidades de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente (Fórum DCA).

Vanessa Marques
Advogada, mestranda em Direito Constitucional pela UFC e integrante do NudiJus.

Jéssica Araújo
Advogada, mediadora judicial e integrante do NudiJus.

Adoção e o direito à convivência familiar e comunitária

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No último dia 25 de maio, o Brasil comemorou a Data Nacional da Adoção, marco político de afirmação do direito de todas as crianças e adolescentes ao desenvolvimento no âmbito familiar.  Segundo o Conselho Nacional de Justiça, existem cerca de 40 mil acolhidos institucionalmente no Brasil, cujos vínculos familiares encontram-se fragilizados ou rompidos, sendo o acolhimento familiar muito incipiente no território nacional. Os principais estudos em neurociência, pedagogia e direito têm revelado a importância de um lar seguro e afetuoso para o crescimento saudável de nossas crianças. Desta forma, as famílias devem oferecer suporte emocional e financeiro aos seus filhos. O Estado, assim como toda a sociedade, deve contribuir com esta tarefa.

A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, o Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) destacam a doutrina da Proteção Integral, e prevêem os direitos fundamentais que devem ser garantidos ao público infanto-juvenil. Destacam-se no Estatuto da Criança e do Adolescente, os seguintes direitos fundamentais deste público, entre os quais, a dignidade, educação, saúde, moradia, convivência familiar e comunitária.

A Constituição Cidadão de 1988 trouxe em seu artigo 227 a contribuição de diversos sujeitos sociais, entre os quais a UNICEF, e o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Foi implementado, no Brasil, o Cadastro Nacional da Adoção, alimentado pelo Judiciário, no qual devem constar as crianças e adolescentes que podem ser adotados. As pessoas interessadas devem procurar uma vara da infância e juventude, ou comum, caso não haja na sua cidade. A equipe técnica vai avaliar condições mentais, sociais e financeiras das pessoas interessadas, que devem ser maiores de idade, mas não necessariamente estarem em um relacionamento conjugal.

Segundo dados do CNJ, 92% da população acolhida é formada por pessoas de 7 a 17 anos, 69% possuem irmãos e são negros ou pardos, enquanto 91% das pessoas que querem adotar preferem crianças de até 6 (seis) anos, e 20% preferem as brancas. Esta realidade tem mudado a partir da mobilização social e de campanhas nos meios de comunicação, bem como ações como o apadrinhamento.

O apadrinhamento ou amadrinhamento possibilita o convívio familiar sem implicar em um vínculo jurídico entre as pessoas envolvidas, ou seja, os indivíduos interessados cadastram-se no órgão do judiciário local, e podem oferecer apoio afetivo, social, financeiro ou prestação de serviços às unidades de acolhimento. Aqui no Ceará, de forma inovadora, o sistema de justiça juvenil, inaugurou em 2016 o Programa de Apadrinhamento, destacando- o afetivo, através da Resolução nº 13/2015, do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.

Importante o engajamento de todos os órgãos do Sistema de Garantia de Direitos, meios de comunicação, universidades, sindicatos, órgãos de classe, para o sucesso desta iniciativa, e desta forma, garantirmos, com prioridade absoluta o direito deste público. Fundamental, também, atingirmos as causas das inequidades sociais e disfuncionalidades nas dinâmicas familiares brasileiras que repercutem em parentalidades frágeis, superficiais ou violentas.  A OAB-CE cumpre um importante papel divulgando a experiência de Apadrinhamento na comunidade interna e externa.

Isabel Sousa
Advogada, integrante do Nudi-Jus (Núcleo de Estudos Aplicados Direitos, Infância e Justiça) da Faculdade de Direito da UFC e do Fórum DCA (Fórum de Entidades de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente).

Vanessa Marques
Advogada, mestranda em Direito Constitucional pela UFC, e integrante do Nudi-Jus

Jéssica Araújo
Bacharel em Direito, mediadora judicial e integrante do Nudi-Jus.

Cultura de paz e combate ao racismo

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Vivemos em um país onde a maior parte de nossa população é descendente de povos que foram escravizados e trazidos à força para trabalharem nos campos e nas cidades. Após o processo da abolição oficial da escravatura – que recentemente completou 119 anos – a população afro-descendente continuou sofrendo com a discriminação e o preconceito racial. No entanto, parte da intelectualidade e dos meios de comunicação formaram um senso comum de que no Brasil vivemos uma democracia racial, onde todos, independente da cor da pele e das características físicas, seriam tratados igualitariamente.

Mas não é bem isso o que nos dizem as estatísticas. Segundo dados do Mapa da Violência 2016, o número de adolescentes e jovens negros assassinados entre 2003 e 2014 aumentou em 46,9%, enquanto o número de adolescentes e jovens brancos assassinados, nas mesmas condições socioeconômicas, diminuiu em 26%. Já a Pesquisa do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência 2015, demonstrou que em Fortaleza e Região Metropolitana 69% das vítimas eram pardos e pretos. No sistema socioeducativo do Ceará, com base em dados da STDS, durante o ano de 2014, os 936 adolescentes privados de liberdade tinham as seguintes características: estão na faixa etária entre 16 e 17 anos e são afrodescendentes.

Nas escolas públicas de Fortaleza, de acordo com dados da pesquisa Diagnóstico Participativo das Violências nas Escolas: falam os jovens (2016), apenas 8% dos alunos se auto declararam como de cor/raça preto/a, sendo a menor porcentagem entre as capitais participantes da pesquisa.

Pensar na construção de uma cultura de paz nas comunidades e no desenvolvimento de uma Justiça Juvenil Restaurativa, passa necessariamente por um esforço coletivo em se tratar a questão do racismo de forma mais franca, direta e aberta. As juventudes, em especial residentes das periferias sociais da cidade de Fortaleza, vem se organizando e dando o seu recado para chamar a atenção da sociedade civil e das autoridades públicas sobre o preconceito e a discriminação à que estão sujeitas diariamente. É preciso que se incentive cada vez mais o protagonismo juvenil e o trabalho em rede para que no futuro possamos viver em uma sociedade de fato solidária e igualitária e que, parafraseando um dos grafites espalhados pela cidade há alguns anos, nem repitamos o passado como era, nem perpetuemos o presente como está.

 

Marcos Bentes

Sociólogo, mestre em estudos brasileiros e técnico do Instituto Terre des hommes Brasil.

Como lidar com o bullying?

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Ao longo de minha experiência como psicóloga, em diversos contextos, ao abordar o tema da violência, entre eles o bullying, deparei-me com o pouco aprofundamento. Não me refiro a ser falado, mas trabalhado, debatido, compreendido em seus sinais e diversas formas de manifestação. Muitas vezes afirmado como brincadeira, o alerta se fazia (e se faz) quando situações gravosas se expressam. Atualmente, com a série “13 Reasons Why”, há o interesse de adolescentes e adultos em assistirem, e um debate crítico se faz para que repensemos como compreendemos, identificamos, dialogamos com os/as adolescentes sobre tais situações e que respostas precisamos construir. Qualquer situação de violência tem múltiplos fatores causais e, por isso, a resposta também se dará através da multiplicidade de estratégias, com especialistas, educadores, incluindo pais, e os próprios adolescentes. Temas como competitividade e cooperação; mudanças corporais e emocionais; gênero e sexualidade; transformação de conflitos; relações de poder; habilidades educativas, aspectos econômicos etc. perpassam o fenômeno da violência. Como dá apoio e controle a adolescentes e adultos para que se evite e se trate a violência e o bullying? Sim, porque este não ocorre somente entre os/as adolescentes. Procedimentos restaurativos no âmbito educacional são uma destas respostas.

No dia 06 de novembro de 2015, foi promulgada a Lei n° 13.185 que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Mas ainda é pouco conhecida e debatida e, portanto, frágil em sua efetivação. O art. 4°, § V diz “dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores” e o § VIII “evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil”. Embora, lamentavelmente, a lei não explicite, mas uma efetiva responsabilização pode se dar através de procedimentos cujo foco não é a punição e mais dor, mas sim um espaço de escuta e apoio às vítimas, responsabilização e reparação do dano causado pelo ofensor, recebendo também ele medidas que compreendam o impacto de seus atos sobre a vida de outrem e o apoio necessário para que o ato não se repita. É da implementação positiva dessas experiências que se caracteriza o Programa de Justiça Restaurativa em espaços educativos, consistindo em experiências de diálogo e responsabilização, através de práticas restaurativas em que ofensores, vítimas e membros comunitários, reunidos, dialogam sobre o fato ocorrido, as motivações e o impacto da situação. Com responsabilidades compartilhadas, traça-se um plano de ações para que as pessoas se reequilibrem, superem o dano e tenham perspectivas futuras.

Lastênia Soares

Psicóloga, mestra em Educação, especialista em Mediação de Conflitos e instrutora e facilitadora em Justiça Restaurativa.